quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Nova versão de uma mesmo recorte inacabado

1.

A dança


Ela estava sentada em um banco, olhava para baixo como se estivesse procurando algo. Suas roupas eram gastas, seus sapatos roxos e suas meias brancas, seus cabelos são escuros e sua pele branca, suas mãos pequenas, com unhas pintadas de cor café. Estas mesmas mãos ajeitavam seus cabelos atrás da orelha, orelha esta que por sua vez tinham brincos em forma de argolas, seu olhar pareia esconder os mistérios do mundo.
Suas pernas estavam cruzadas e um dos pés balançava parecendo marcar o tempo, sua boca mechia-se devagar, seus dentes passeavam pelos seus lábios enquanto seu olhar se perdia em algo que só ela pode saber.
O banco em que ela estava sentada é de madeira e está no chão de uma praça no centro da cidade. Agora que percebo que lágrimas caem de seus olhos, mesmo com um olhar distante as lágrimas estão presentes em seu rosto, o motivo pelo qual ela chora pode estar em qualquer lugar, mas o motivo pelo qual eu sinto o calor de suas lágrimas é algo que só eu sei.
As marcas do tempo estão em seu rosto1 já gasto pela vida e pelas lembranças de um passado que pertence há todos nós, às vezes parece que ela não existe, que é apenas uma miragem, uma personagem que eu criei para representar uma peça que nunca escrevi.
Vocês leitores devem estar se perguntando quem é esta mulher, e por qual motivo ela chora, vocês também devem estar se perguntando quem eu sou, e por que resolvi rabiscar estas páginas.
Em primeiro lugar é bom lembrar que isto não é uma história, provavelmente, a mulher sentada no banco da praça não exista, a única coisa que importa neste momento tanto a mim quanto a vocês é saber seu eu existo e se vocês existem.
As luzes se acendem enquanto o autofalante avisa que o parque está fechando.
Levanto minha cabeça e me deparo com algo inusitado, estou sozinho, não tem ninguém no parque além de mim. Está nova situação me perturba!
Pergunto-me onde a mulher do banco está a que horas ela foi embora? Será que eu cochilei, e ela se foi sem eu perceber? Ou será que ela não existe, a dúvida que antes era só de vocês, agora também é minha.
Ela existe mesmo?

A praça existe?

O banco existe?

E eu existo?

E se existo, onde estive, onde estou e para onde vou?

Levanto-me e saio andando em direção ao portão de saída, minha bolsa está mais pesada que o normal, mas não me importa apesar de não saber o que tem dentro dela não a abro e continuo a caminhar em direção a saída.
O relógio desperta, são 9 horas da manha, mais uma pergunta surge em meus pensamentos, àquela tarde no parque existiu mesmo? Ou foi um sonho.
Agora estou aqui, em minha..., ou melhor, em um apartamento de um prédio no centro da cidade.
Não me lembro a que horas fui dormir, então não tenho certeza o que fiz ontem, tento organizar meus pensamentos e me lembrar onde estive ontem.
A única coisa que me lembro é de que pela manha estive no museu de arte sacra na Sé, e depois caminhei até um bar e bebi algo, mas não me recordo o que. Neste bar uma mão tocou meu ombro, mas não me virei para ver quem era, porém tenho a sensação de que a mão daquela mulher me era conhecida, depois disso não me lembro de mais nada.

Será que era a mão da mulher da praça? Não! Não pode ser isto foi pela manha, e meu suposto encontro com a mulher do banco foi pela tarde, não consigo ligar os fatos, agora também não tenho certeza da veracidade de minha ida ao museu, nem da mão em meu ombro. Só tenho certeza de uma coisa, minha cabeça dói, dói muito, meus braços e minhas pernas estão dormentes e meu rosto parece molhado. Fecho os olhos para ver se ainda estou dormindo.
9:15, o relógio desperta pela segunda vez, minhas pernas, braços ainda estão doloridos, mas já posso meche-los, por outro lado meu rosto ainda parece molhado. Levanto-me e vou até o banheiro, antes mesmo de me olhar ao espelho, ligo a torneira da pia com a cabeça baixa, para lavar meu rosto. É estranho, mas não me recordo de meu próprio rosto, e isso não me causa espanto, é como se eu realmente não soubesse quem eu sou, e mesmo assim estive-se satisfeito comigo mesmo.

Sinto uma dor tremenda no primeiro toque das minhas mãos e dá água em meu rosto, quando abro os olhos e me deparo com o fundo da pia, vejo que a água que escorre pelo ralo está com sangue, olho para minhas mãos, elas também estão com sangue.

Não sei porque fico com medo, medo de olhar para o espelho, e olhar para meu rosto, todo a minha vida parece depender deste olhar, deste rosto.

Começo a lavar a cabeça, a água continua a sair pela torneira, se misturando com o sangue de meu rosto e descendo pelo ralo.

Novamente lavo minha mão ao rosto e devagar vou lavando ele, até a água escorrer pelo ralo sem nenhuma gota de sangue. Fecho os olhos e levanto minha cabeça, ainda com os olhos fechados, eu sei que estou diante do espelho, minhas mãos estão na borda da pia, minha respiração aumenta, meu coração começa a bater mais forte.

Mais uma vez abaixo meu rosto, e me apoio com os ombros na pia, minhas mãos se apóiam em minha testa, e eu me sinto um covarde de não ter a coragem de ver meu próprio rosto no espelho.

O barulho da água escorrendo pelo ralo da pia me mantém vivo, sinto que eu fechar os olhos será meu fim.

2.

A companhia toca.

Sem saber como, estou diante da porta, minha mão na maçaneta, preparando para abri-la, mas antes me viro e olho para dentro do apartamento, vejo mobílias, estantes com livros que não me recordo deles, vejo cds e discos em uma outra prateleira que também não me recordo de ter visto antes. Um sofá no meio da sala com uma mesinha na sua frente, cheia de copos e garrafas vazias. O tapete está sujo ou manchado, não sei bem. Há mais três portas fechadas que não sei para aonde dão.

Sem me virar eu abro a porta, sem perceber alguém me abraça, um rosto se apóia em meu ombro, uma mão me segura pela cintura, enquanto a outra segura um cigarro.

Sinto aquele corpo colado ao meu, percebo que é uma mulher, pela sua pele, seus seios, suas mãos, seu perfume.

Porém não sei se a conheço.

Olhos para seus pés, e vejo que ela usa sapatos roxos e que suas meias são de algodão branco, subo meu olhar e percebo que suas roupas estão gastas, por um momento pareço me recordar dela. Por um momento sinto que vou me recordar de quem eu sou.

Ouço sua voz em meu ouvido, ela me fala sobre a imigração árabe, ela diz que seus avôs atravessaram o deserto com plantas e animais e crianças com fome. Ela parece chorar ao mencionar que as danças de seus antepassados foram jogadas dentro de uma vala e tampadas com cimento e ossos deles mesmos, há muito tempo. Não sei o que dizer; o que pensar; minha cabeça está ainda mais confusa, do que ela está falando? Quem ela é?, de onde ela veio?, que deserto ela fala e que danças são essas?. Continua...


Juan Moravagine Carneiro

3 comentários:

  1. Por favoooor! Continue logo!!!

    Faz tempo que não me prendo tanto assim a uma leitura.

    P.S.: Take me out someday, please!
    Bj

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  2. Assim que possível e desde já fico feliz que tenha gostado!

    ResponderExcluir
  3. Eu ri o meu próprio "P.S." rsrs
    Acesso momentâneo de Smiths.

    Bom, estava procurando por aqui se não tinha sido publicada a continuação...

    Anda, moço! Bora trabalhar! Continuo curiosa...

    ResponderExcluir

- Chegue diante do quadro sem intenção preconcebida de sarcasmo.

- Olhe para a pintura do mesmo modo como olharia para uma pedra talhada. Aprecie as facetas, a originalidade da formam, a luta com a luz, a disposição da linha e das cores [...]

- Escolher um detalhe que seja a chave do conjunto, fixá-lo por um bom tempo, e o modelo surgirá.

- Nessa última comparação, deixar-se levar até as regiões da mais requintada Alusão.

Max Jacob


Que os vasos se comuniquem!

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