terça-feira, 23 de março de 2010

Sorriso...!

Trecho de Clube da Luta do autor Chuck Palahniuk.
Não durmo há três dias, mas poderia estar dormindo agora. Meu chefe balança o papel na minha cara. O que é isso, pergunta ele. Que brincadeira é essa que andou fazendo no horário de trabalho? Sou pago pela minha atenção exclusiva, e não para perder tempo com joguinhos de guerra. Não sou pago para abusar das máquinas copiadoras. O que é isto? Ele sacode o papel embaixo do meu nariz. O que estou pensando, pergunta ele, o que fazer com um funcionário que desperdiça o tempo da empresa em seu mundinho fantástico? Se eu estivesse no lugar dele, o que faria?
O que eu faria?
O buraco no meu rosto, o inchaço azul-esverdeado ao redor dos olhos e a cicatriz vermelha do beijo de Tyler nas costas da minha mão, cópia da cópia da cópia.
Especulação.
Para que Tyler quer dez cópias das regras do clube da luta?
O que eu faria, digo, é ter muito cuidado com quem eu falo sobre esse papel. Digo que pode ter sido escrito por um perigoso assassino psicótico, um esquizofrênico capaz de a qualquer momento perder a cabeça durante o expediente e entrar de sala em sala com uma carabina semi-automática Armalite AR-180.
Meu patrão só me olha...
Esse cara, continuo, passou a noite limando uma cruz na ponta de cada bala. Ele aparece um dia no trabalho e descarrega sua carga no chefe rabugento, improdutivo, chorão, babaca e bunda-mole, e a bala explode e se espalha dentro dele, estourando as vísceras fedorentas ao longo da espinha. Imagine o seu chakra do umbigo explodindo em câmara lenta e trazendo tudo o que há no intestino grosso.
Meu chefe afasta a folha de papel da minha cara.
Vá em frente, digo, leia um pouco mais.
Que coisa fascinante! Só pode ter saído de uma mente doentia.
Dou um sorriso.
As ranhuras que contornam o corte no meu rosto têm o mesmo pretoazulado das gengivas de um cachorro. A pele esticada nos olhos inchados parece envernizada.
Meu chefe continua olhando para mim.
Deixe ver no que posso ajudar, digo.
E leio, a quarta regra do clube da luta é uma por vez.
Meu chefe olha para as regras e olha para mim.
Eu digo: a quinta regra é lutar sem sapatos e camisa.
Meu chefe olha para as regras e olha para mim
Talvez, digo, esse maldito demente esteja usando uma carabina Eagle Apache, porque a Apache tem pente de trinta balas e pesa só quatro quilos. A Armalite só aceita pente com cinco balas. Com trinta tiros, o nosso herói pode entrar no corredor de lambris de mogno e acabar com os vice-presidentes e ainda sobrar cartuchos para cada diretor. É Tyler falando pela minha boca. Eu era uma pessoa tão gentil.
Olho para o meu chefe. Meu chefe tem os olhos mais azuis que já vi.
As carabinas semi-automáticas J e R 68 também têm pentes com trinta balas e pesam somente três quilos.
Meu chefe continua olhando para mim. Tenho medo, digo. Deve ser alguém que ele conhece há muitos anos.
Talvez o cara saiba tudo a seu respeito, onde mora, onde sua mulher trabalha, onde seus filhos estudam.
Isto está me cansando e, de repente, estou ficando muito, muito aborrecido.
Para que Tyler precisa de dez cópias das regras do clube da luta?
Eu não preciso dizer que sei dos estofamentos de couro que provocam defeitos congênitos. Que sei dos alinhamentos de freio que passaram pelo controle de qualidade, mas vão apresentar defeito após três mil quilômetros.
Sei que o reostado do ar-condicionado pode esquentar a ponto de incendiar os mapas que você deixa no porta-luvas. Sei que muita gente já se queimou por causa da lâmpada do injetor de combustível. Já vi pernas amputadas na altura dos joelhos porque o turbocompressor explodiu e as palhetas atravessaram o fogo e entraram no compartimento do passageiro. Saí a campo e vi os carros queimados e os relatórios em que a cláusula CAUSA DO DEFEITO foi preenchida como “desconhecida”. Não, digo, esse papel não é meu. Seguro o papel com dois dedos e puxo. O fio do papel deve ter cortado o dedo do meu chefe, porque ele levou a mão à boca e ficou chupando o dedo com os olhos arregalados. Amasso a folha de papel e jogo na lata de lixo, ao lado da minha mesa. E digo: é melhor não me trazer todo lixo que encontrar por aí.




3 comentários:

  1. assisti este filme por sua causa
    (indicação sua)
    também li Anais Nin
    ouvi Piazzola

    por sua causa

    beijos

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  2. "... With insomnia, nothing's real. Everything is far away. Everything is a copy of a copy of a copy..."

    ResponderExcluir

- Chegue diante do quadro sem intenção preconcebida de sarcasmo.

- Olhe para a pintura do mesmo modo como olharia para uma pedra talhada. Aprecie as facetas, a originalidade da formam, a luta com a luz, a disposição da linha e das cores [...]

- Escolher um detalhe que seja a chave do conjunto, fixá-lo por um bom tempo, e o modelo surgirá.

- Nessa última comparação, deixar-se levar até as regiões da mais requintada Alusão.

Max Jacob


Que os vasos se comuniquem!

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