quinta-feira, 8 de abril de 2010

Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?...

UM SUPERMERCADO NA CALIFÓRNIA

Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman,
enquanto caminhava pelas ruas sob as árvores, com dor de
cabeça, autoconsciente, olhando a lua cheia.
No meu cansaço faminto, fazendo o Shopping das imagens, entrei no supermercado das frutas de néon sonhando com tuas enumerações!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras fazendo
suas compras a noite! Corredores cheios de maridos!
Esposas entre os abacates, bebês nos tomates! - e você,
Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?...

Eu o vi Walt Whitman, sem filhos, velho vagabundo solitário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando olhares para os garotos da mercearia.
Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles; Quem matou as
costeletas de porco? Qual o preço das bananas? Será você meu
Anjo?
Caminhei entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o
e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja.
Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso
passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos
petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.
Aonde vamos, Walt Whitman? As portas fecharão em uma
hora. Para quais caminhos aponta tua barba esta noite?
(Toco teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado e sinto-me absurdo)
Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores
somam sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas,
ficaremos ambos sós.
Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor,
passando pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando
para nosso silencioso chalé?
Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário professor
de coragem, qual América era a sua quando Caronte parou
de impelir sua balsa e Você na margem nevoenta, olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes?

Um supermercado na Califórnia de Allen Ginsberg em Uivo: Kaddish e outros poemas (1953-1960). Prefácio, seleção, tradução e notas de Cláudio Willer.

4 comentários:

  1. Maluca como eu sou, ia correndo na direção dele muito antes que ele erguesse os olhos em minha direção.

    Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores
    somam sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas,
    ficaremos ambos sós.


    - aqui reside grande parte do meu medo da vida, o de ficarmos todos sós. Me ocorre que agora vc pode estar pensando sobre como eu sou medrosa! Sou sim. E tenho tentando não ficar paralisada diante de nada, mas viver não é fácil, vc sabe.

    Tenha um sono tranquilo, e quando abrir os olhos, um dia pra se lembrar. Beijo carinhoso! =)

    ResponderExcluir
  2. Praticamente um quadro surrealista esse seu microconto.
    Sobre Ágata, bem que ela poderia ter transado ou trançado com palavras dos beats, mas creio que ela esteja querendo revelar e não contar segredos de liquidificador.rs
    abraços.

    ResponderExcluir
  3. que saudade de vagear com as sombras noturnas.
    tenho me recolhido cedo.
    a vida anda tão chata...
    vontade de perder entre as melancias...
    (eu adoro melancia)

    ResponderExcluir

- Chegue diante do quadro sem intenção preconcebida de sarcasmo.

- Olhe para a pintura do mesmo modo como olharia para uma pedra talhada. Aprecie as facetas, a originalidade da formam, a luta com a luz, a disposição da linha e das cores [...]

- Escolher um detalhe que seja a chave do conjunto, fixá-lo por um bom tempo, e o modelo surgirá.

- Nessa última comparação, deixar-se levar até as regiões da mais requintada Alusão.

Max Jacob


Que os vasos se comuniquem!

Related Posts with Thumbnails