quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O calor do sol em uma tarde de inverno!

A Extraordinária Aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão na Datcha



A tarde ardia em cem sóis


O verão rolava em julho.


O calor se enrolava


no ar e nos lençóis


da datcha onde eu estava,


Na colina de Púchkino, corcunda,


o monte Akula,


e ao pé do monte


a aldeia enruga


a casca dos telhados.


E atrás da aldeia,


um buraco


e no buraco, todo dia,


o mesmo ato:


o sol descia


lento e exato


E de manhã


outra vez


por toda a parte


lá estava o sol


escarlate.


Dia após dia


isto


começou a irritar-me


terrivelmente.


Um dia me enfureço a tal ponto


que, de pavor, tudo empalidece.


E grito ao sol, de pronto:


Desce!


Chega de vadiar nessa fornalha!
E grito ao sol:


Parasita!


Você aí, a flanar pelos ares,


e eu aqui, cheio de tinta,


com a cara nos cartazes!


E grito ao sol:


Espere!


Ouça, topete de ouro,


e se em lugar


desse ocaso


de paxá


você baixar em casa


para um chá?


Que mosca me mordeu!


É o meu fim!


Para mim


sem perder tempo


o sol


alargando os raios-passos


avança pelo campo.


Não quero mostra medo.


Recuo para o quarto.


Seus olhos brilham no jardim.


Avançam mais.


Pelas janelas,


pelas portas,


pelas frestas


a massa


solar vem abaixo


e invade a minha casa.


Recobrando o fôlego,


me diz o sol com a voz de baixo:


Pela primeira vez recolho o fogo,


desde que o mundo foi criado.


Você me chamou?


Apanhe o chá,


pegue a compota, poeta!


Lágrimas na ponta dos olhos


- o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro


o samovar:


Pois bem,


sente-se, astro!


Quem me mandou berrar ao sol


insolências sem conta?


Contrafeito


me sento numa ponta


do banco e espero a conta


com um frio no peito.


Mas uma estranha claridade


fluía sobre o quarto


e esquecendo os cuidados


começo


pouco a pouco


a palestrar com o astro.


Falo


disso e daquilo,


como me cansa a Rosta²,


etc.


E o sol:


Está certo,


mas não se desgoste,


não pinte as coisas tão pretas.


E eu? Você pensa


que brilhar


é fácil?


Prove, pra ver!


Mas quando se começa


é preciso prosseguir


e a gente vai e brilha pra valer!¿


Conversamos até a noite


ou até o que, antes, eram trevas.


Como falar, ali, de sombras?


Ficamos íntimos,


os dois.


Logo,


com desassombro


estou batendo no seu ombro.


E o sol, por fim:


Somos amigos


pra sempre, eu de você,


você de mim.


Vamos, poeta,


cantar,


luzir


no lixo cinza do universo.


Eu verterei o meu sol


e você o seu


com seus versos.


O muro das sombras,


prisão das trevas,


desaba sob o obus


dos nossos sóis de duas bocas.


Confusão de poesia e luz,


chamas por toda a parte.


Se o sol se cansa


e a noite lenta


quer ir pra cama,


marmota sonolenta,


eu, de repente,


inflamo a minha flama


e o dia fulge novamente.


Brilhar para sempre,


brilhar como um farol,


brilhar com brilho eterno,


Gente é pra brilhar


que tudo o mais vá prá o inferno,


este é o meu slogan


e o do sol.
 
 
Poema de Vladimir Maiakóvski

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- Chegue diante do quadro sem intenção preconcebida de sarcasmo.

- Olhe para a pintura do mesmo modo como olharia para uma pedra talhada. Aprecie as facetas, a originalidade da formam, a luta com a luz, a disposição da linha e das cores [...]

- Escolher um detalhe que seja a chave do conjunto, fixá-lo por um bom tempo, e o modelo surgirá.

- Nessa última comparação, deixar-se levar até as regiões da mais requintada Alusão.

Max Jacob


Que os vasos se comuniquem!

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