Nunca me entreguei, sempre resisti.
E poucas vezes me iludi
Nunca me intimidei diante de qualquer situação
Afora perto de você
Sempre enfrentei a realidade
Dei risada das dificuldades
Dancei com a vida e com suas brechas e possibilidades...
Caminhei do centro da cidade ao campo, de um extremo da cidade; Clash, Space, pedreira Paulo Leminski, Masp, Pinacoteca, Vergueiro, barracas de estação, Galeria choque cultural, Augusta, Paulista e ruas de bairros distantes, Shows, exposições, peças, Casa das Rosas etc. Fui de um lado da cidade ao outro sem me preocupar com que as pessoas acham de minhas roupas ou leituras, nunca nenhum olhar me intimidou.
Afora o seu olhar
Sempre olhei a vida com outros no sentido de William Blake
E também a arte, o cotidiano, as pessoas, o cenário urbano e suas representatividades.
Sempre olhei e proporcionei seja diante de um intelectual acadêmico, seja diante de um guardador de carros, um religioso o dialogo, a experiência. Sempre dei muita importância à comunicação, a criação. Sempre ouvi nunca me afastei do novo, nunca tive medo me expor.
Afora perto de seu olhar
Hoje carrego um corpo que sinceramente não sei de onde veio
Achei como resposta problemas de saúde que me fez ter deixar muitas coisas de lado
Porém sempre tive a certeza que era algo passageiro
Sempre dei mais importância à mente, ao olhar, a sensibilidade artística.
Nos últimos anos acabei acreditando em certas coisas, acabei deixando de lado outras, me tranquei em uma realidade que talvez nunca tenha existido.
Fechei-me para o mundo para evitar encontrar certo olhar
Voltei-me para dentro de mim mesmo, senti na pele a crucificação encarnada que Henry Miller dizia para descobrir que não existi nada mais importante que um olhar, um sorriso, um gesto mesmo que distante, ou seja, a realidade como um meio e não com um fim.
Somente o olhar de uma pessoa me causou medo, me intimidou, me fez baixar a cabeça por insegura, me fez perder a voz, esquecer meu nome, fazer papel de bobo, de sonhador no sentido de Noites brancas de São Petersburgo de Dostoievski.
Mas é algo surreal em certo sentido, afinal se passaram anos e não teve um dia que não refiz em minha mente possíveis situações, que não me recordei de certas passagens de um cotidiano em comum... Isso que me perturba... Provavelmente só fui um passante para este olhar.
Meu curso durou cinco anos e pode ter certeza que mais importante que um diploma de uma instituição “consagrada” está o olhar e o sorriso desta pessoa, pois foi através dele que percebi o que realmente quero fazer da minha vida, não importa o quanto complicado seja, ESCREVER.
Já fiz papel de idiota confesso, adentrando em espaços sem ser convidado... Fazendo-me recordar de um trecho de Tabacaria de Fernando Pessoa:
“... Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O Dominó que vesti era errado
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me
Quando quis tirar a máscara,
Estava pregada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado
Deitei a mascara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime...”
Se ela soube-se que seu olhar me paralisava, talvez soube-se que não era metido ou algo assim. Nos últimos tempos estive evitando seu olhar, chegando tarde na espaço em comum, evitando os corredores do seu curso, os horários do mesmo. Eu que nunca me importei com a opinião de ninguém, eu que sigo os passos de Baudelaire, Lautréamont, Henry Miller, Rimbaud, James Joyce, Dostoievski, Kerouac, etc. Ainda me intimido com seu olhar, do poder que ele tem sobre mim, ainda mais agora que...
Mas a vida nos prega peças... No meu último dia de aula, uma data tão aguardada, do nada quando menos esperava seu olhar surge e como sempre eu covarde não tive coragem de levantar o rosto e ver seu brilho. Que, aliás, está brilhando ainda mais, ainda mais linda.
Naquela mesma noite apresentei um seminário na aula de História e Literatura foi o melhor que já fiz, e durante a apresentação me recordei de minha estádia na PUC-SP, e fiquei feliz por não ter guardado nenhuma magoa destes anos, conheci pessoas incríveis que sempre vão me acompanhar de uma maneira ou outra... Como esse olhar que mais uma vez me trouxe de volta para a vida e que me fez perceber que tenho que voltar a cuidar de mim, seu olhar que sempre brilha como uma estrela no céu e mesmo quando não faz mais parte da constelação continua a brilhar distante.
Naquela mesma noite a professora me convidou para ficar mais dois anos nesta mesma instituição.
Sinceramente não sei se aceito
Só tenho certeza de uma coisa
Você nunca foi Carolina
Sempre foi Cecilia!
Sempre em frente
E que a vida seja generosa para mim e para você
E uso das palavras de Francisco Bosco em relação a Vinicius de Moraes para lhe responder que a vida continua, mesmo que as mesmas não sirvam para mim, pois estou mais para Dante da Divina comédia.
“...Para Vinicius, a experiência do amor é trágica. O que responde por essa tragicidade? O fato de que, para ele, o amor acaba: o amor é uma intensidade que queima, consome-se e consuma-se, esvaziando-se fatalmente. O que fazer, então, diante dessa experiência? Aqui começa a força: Vinicius fez um pacto com as altas intensidades e dispôs-se a pagar seu preço, igualmente alto. Pois se o amor é uma intensidade que, no tempo, esvazia-se, só lhe resta aceitar essa dinâmica e acatar o fim do amor - o que significa abrir novamente a possibilidade de um novo amor, da vivencia de uma nova intensidade alta, e assim sucessivamente...” (Francisco Bosco em Altas intensidades, artigo escrito para a revista Cult, nº 73).
Texto: Juan Moravagine Carneiro (Reeditado)
Imagem: Trabalhos de Banksy
"O verdadeiro amor sempre é o que morre"
ResponderExcluirChico Buarque
Belíssimo post.
Concordo com a Ana, belíssimo post, obrigada por compartilhar conosco. Me encontrei em várias partes do seu texto.
ResponderExcluirVai, moço, vai ser poeta, trilhe seu caminho sem medo, no céu as estrelas brilham!
Grande beijo!
Belo seu poste, adoro Vinícius, mas ando tão apixonada que não quero que meu amor nunca acabe, rs
ResponderExcluirA literatura dele realmente têm isso muito forte...Uma coisa é certa, a fila anda!
Bjs
Mila Lopes
Saudades de ler-te ;)
ResponderExcluirO legal de seus posts é que começamos lendo como um presente sendo aberto, cada palavra um descoberta e vem à curiosidade de quem é o texto, vamos arriscando palpites e mudando de palpites até chegar ao fim, e para mim é de uma alegria imensa saber que o texto é seu; muito bom este por sinal, parabéns.
ResponderExcluirns
"Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure."
ResponderExcluirLindo post, com excelentes referências.
Abraços, meu caro!
Juan,
ResponderExcluirsempre nos vestimos de tantos e tantos sempre nos compõe e edita nosso coração
Bandeira, Joyce, Rimbund, e tantos maravilhosos que você citou, amo a todos,
mas então nossa capacidade de enfrentar um olhar, um olhar, essa nossa incapacidade nos faz produzir outra coisa,
se não tenho coragem de ir dizer, vou lá e escrevo, pelo menos eu como poeta carrego eternamente essa maldição
parabéns pela sua caminhada, pela sua trajetoria.
fiquei a pensar em tantas coisas lendo esse seu texto.
abraços
Andei sem tempo, mas agora vim com calma aqui e gostei, tomei a liberdade de sentar-me neste blog-sofá e ficar.
ResponderExcluirConcordo com um dos comentários acima: seu post é cheio de cantos, de linhas sinuosas, vamos chegando e mudando o foco, vamos nos envolvendo, concordando, discordando, e no final fica o extrato do que foi dito: belo post e viva o AMAR!
ResponderExcluirAbraços,
Tânia
Oi Juan,
ResponderExcluirSabe que certa vez em viagem de férias, passei uma tarde procurando um livro desse rapaz, o Francisco Bosco. E acabei preferindo a companhia dele a qualquer outra coisa. Ele é um escritor muito sensível. Excelente referência.
abrs!
Diga lá, Juan.
ResponderExcluirÓtimo texto, com muitas referências sobre os espaços/lugares/vias de Sampa que gosto de frequentar.
Oxalá você tenha correspondido ao olhar de Carolina/Cecília.
Fica a torcida.
Forte abraço.
Linda sua história...
ResponderExcluirmas quem foi Cecília um dia, nunca chega a Carolina.
belo regresso, caro juan.
ResponderExcluirtexto muito sólido e com nuances semânticas inquietantes.
um abraço!
Fiquei emocionada! Eu, que nunca fui Cecilia, nem sequer cheguei a ser Carolina, acho que se tal fosse, agora estaria como você todos esses anos - fugindo do seu olhar, pois uma lágrima, certamente há de cair dos olhos que você tanto desejou... Você é você, né? rsrs o que dizer? QUe adorei, como sempre! TUDO! Beijos, Deia.
ResponderExcluirNossa, Juan! Belo texto, com corredores diversos, que nos faz percorrer um caminho sinuoso entre o dentro e o fora. Ao término, só posso dizer: Ufa!!
ResponderExcluirum abraço grande pra ti
Uau... esse post me pegou de surpresa... me vi olhando dentro de mim mesma, aos cacos, limitada e impotente por causa da um sentimento semelhante.
ResponderExcluirSorte na vida, meu caro!
Ahhhh, e quem sabe não nos veremos mesmo na bienal? rs
Bjs!
carolina é um docinho bem gostoso. mt bom juan!
ResponderExcluirEu não fui cecilia, Carolina...e nem sei ainda, porque um amor morre.
ResponderExcluirPorque Juan??
Um abraço meu querido.
Que bom que voltou, mesmo nunca tenha saido do coração da sua admiradora aqui!!!
Rafael.Na medida que meus olhos corriam à escrita, sentia seu sangue jorrar de forma incomum. O abrir de leque que faz um ser casar num adentro tão profundo, catando pedaços doloridos, ao mesmo tempo suculentos.
ResponderExcluirOh, amor! Como estás impregnado na retina e à pele num cheiro impossível de ser retirado em banhos. Na realidade, tu como palavra pequenina, mas numa velocidade, explosão e desdobras, levando os seres ao intenso, só que em muitas idas e voltas, renúncias ao palco.
Sabes ave rara, o amor atribuoa a uma definição: Amor é o olhar total, que nunca pode ser cantado nos poemas ou na música, porque é tão-só próprio e bastante, em si mesmo absoluto táctil, que me cega, como a chuva cai na minha cara, de faces nuas, oferecidas sempre apenas à água.
Brandão, Fiama Hasse Pais
Querido, perdoe-me pela ausência em teu espaço e que no agradecer por seus pousos [citações] no jardim, pois me permite muta reflexão e encontros.
Abraços.
Priscila Cáliga
Juan,
ResponderExcluirVc fala tão bonito...poesia com sotaque me deixa arrepiada.
muito bom esse texto hein
ResponderExcluircheio de referências e citações...
gostei gostei.
Você passou na minha casa, vim visitá-lo e me deparo com este texto magnífico!
ResponderExcluirEu o li num fôlego só, e o incômodo ou qualquer outro sentimento que seja daquele olhar também me atingiu.
Há certo olhar, há certos pares de olhos aos quais não podemos compreender. Eu pensava quando via um certo par de olhos, eu pensava, o que é que tanto me incomodava, tanto me atraia, tanto me deixava tonta. Um dia, descobri que eu sempre soube, mas tinha medo, não confiava por mais que devesse.
Às vezes, na correria da vida, eu paro porque me lembro, vem no vento, vem a mim os olhos e o dono deles. E meus olhos molham...
Um abraço!