sexta-feira, 14 de maio de 2010

"Continuo a ser um camponês" (Luto)


"Estamos falando da infância e tudo é muito ingênuo. Nunca se consumou nada, era pura curiosidade...Olhe, por mais que pareça um exagero, continuo sendo um camponês. Claro que nõa pelas roupas que visto ou pelo modo de falar, mas a lembrança da minha infância é tão intensa que tenho de reconhecer que a pessoa que sou, nõa o escritor, mas a pessoa, tem suas raízes ali, naquele lugar, naqueles anos e naquele lar"...

"...São traços que subsistiram por toda a minha vida. E eu mesmo não entendo por que me acontecem certas coisas, como ficar triste durante festas. Não que a alegria dos demais me incomode. É só que, quando as pessoas ao meu redor se divertem, eu me pergunto: o que estou fazendo aqui? E, acredite, nõa é por nenhum sentimento de superioridade, tem a ver com a minha incapacidade de me integrar...Até jantando entre amigos há ocasiões em que preciso me isolar. Não posso evitar..."

"Minha família era muito humilde . O fato do meu pai ser funcionário público não significa que recebesse um bom salário...Até meus 14 anos não pudemos ter sequer um pequeno apartamento para nós três...Não tive um quarto próprio até me casar, aos 22 anos. É verdadeiro esse episódio das baratas. E eu não conto para dar pena..."


"...Quando você viveu coisas como essa, ou ver que seus avós colocavam na cama os porcos para ajudá-los a sobreviver com o calor do seu corpo, é lógico que tudo isso venha a influir em você. E não me refiro ao escritor, ao Prêmio Nobel de Literatura; falo da pessoa, do modo de entender o mundo..."

"...Nunca fui um desses meninos precoces que escrevem um romance aos 6 anos. Já contei que comprei meus primeiros livros aos 19 anos, e que até então lia na biblioteca...No entando, lembro que aos 18 ou 19, conversando com meus amigos, me ocorreu dizer que seria escritor...Trabalhei como mecânico, como funcionário público, e publiquei Memorial do Convento aos 60 anos, uma idade em que muitos autores já têm sua carreira feita. Não fui ambicioso, vivi dia a dia. Disse isto na Feira de Frankfurt quando me comunicaram que havia ganho o Prêmio Nobel de Literatura: "Não nasci para isto, mas isto foi-me dado" Tive a sorte de ter uma vida longa, já que me permitiu fazer em poucos anos o que não pude ou não soube fazer antes. E não deixo de me perguntar porque acontenceu assim..."

Texto: Fragmento de uma entrevista de José Saramago para revista Entre Livros, Ed. Duetto, por Óscar López. (Todos direitos reservados). Reeditado

Imagem: Dois velhos comendo, tela de Franscisco de Goya, 1820-1823 e Foto de José Saramago

OBS: Um pedaço de mim se foi com a notítica da morte de Saramago.

17 comentários:

  1. Muito legal esses fragmentos da entrevista, mas sabe, fiquei curiosa pelo epsódio da barata, rs
    Você só colocou a parte que ele fala que não conta só para dar pena(curiosa eu né?!)rs
    Bjs
    Mila

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  2. Obrigada pela provocação no Poesias de Calliope e fico feliz que perdoe essa poeta pela demora em publicar algumas linhas, algumas idéias... É que poesia é criatura teimosa e possue vontade própria.

    Interessante ler essas palavras de Saramago (um escritor que admiro muito) enquanto ser humano, enquanto pessoa como nós, que também enfrenta mazelas e dificuldades. Torna-nos mais humanos e aflora ainda mais a nossa capacidade de sentir e ver o mundo.

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  3. Nem sei o que dizer, afinal, não cresci até hoje!!! A pessoa que eu sou é exatamente resultado da minha infância deliciosa, dos amigos inesquecíveis, das árvores, das casas onde vivi e do ar que respirava.

    O Saramago é um fofinho né?! E eu, exagerada como sou, ia pular no pescoço dele se o visse na minha frente!!! =P HOmem inteligente é tudo!

    Bjin Rafa. =*

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  4. sou um seguidor de saramago desde bem antes da atribuição do nobel. figura controversa, carismática que, todavia, exibe, num registo muito seu, toda uma sensibilidade face ao mundo e aos outros de um tal modo que chega a ser arrepiante. como o próprio sugere, as vivências de infância foram deixando um lastro que a agudeza e o engenho cristalizaram...
    um abraço, juan!

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  5. Juan:
    gosot muito do José Saramago, tenho acho que todos os livros dele. Gostava dele,já antes do Prémio Nobel ,mesmo quando todos ou quase todos, diziam mal dele e da sua forma de escrever.Ele tem um colecção de cadernos, muito interessante.
    abraço

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  6. inteligência com sensibilidade, adoro Saramago.


    abraços
    ns

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  7. Olá,
    Esse, sim, é o Cara!
    Embora o outro não é tão desprezível como muitos intelectualóides tentam pintar. Aliás, a grande diferença, talvez, seja o meio em que gravitam... talvez.
    Mas, esse é o Cara até onde todos douram a pílula.
    Saúde e felicidade.
    João Pedro Metz

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  8. sempre bebendo na fonte vc hein?
    Um abraço!

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  9. Sabe que sou fã nº 1 de Saramago? Tem até foto dele lá no Leitora, li tudo, tudo tudo que ele já publicou. É uma paixão.

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  10. A vida vivida, cada aparente detalhe insignificante dela, determina nosso destino.
    Vida cheia de riquezas, de histórias, de verdades simples do dia-a-dia...e está aí o homem quem é, escrevendo como escreve. É...o desabrochar pode acontecer em qualquer tempo de nossas vidas!

    Abraços,
    Tânia

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  11. saramago sempre foi um dos meus preferidos, pq. sempre senti q. em algum momento ele foi preterido.

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  12. Juan, eu sou super fã de Saramago, há já muito tempo.Adoro o seu jeito de escrever, desperta em mim algum outro sentido que não sei nomear. De todos os livros dele que já li, e apreciei todos, cada qual com seu gosto, um deles conquistou-me sobremaneira, 'As Intermitências da Morte'...tenho por este livro tal afeto, que olhar para ele já causa-me uma certa palpitação, uma certa ansiedade, vontade de relê-lo sempre que o enxergo...não sei explicar e, creio mesmo, que ser tomada assim por uma obra de Saramago não careça de explicação, apenas de entrega.

    ótimo post. Um abraço pra ti

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  13. Olá!
    Muito interessante, verdadeiro.
    Experiências de vida, momentos vividos a cada dia, gosto de ler sobre isso.
    Desejo um fim de semana especial.
    Carinhosamente, Lady.

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  14. Juan, em resposta ao comentário.

    Assim, em todas as madrugadas o coração acelera na tecla do mergulho. Os sinais sempre nos apontando o estado negruloso, com seu propósito num nanuscrito. As duras pedras, que no sim, existe um não, e no não o sim. No céu, campo imaginário à existência, o existir do chão. E, finalmente, aceitar que sentir doe e no sorrir o esconder, e viver tem suas mortes precisas, para a calma das águas beijar a sede gritante.

    Abraços!

    Priscila Cáliga

    [Qual seu msn?]

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  15. Crescer definitivamente não é a melhor coisa que fazemos !
    Salve Zé! 'escrevemos como quem se encontra debaixo de uma grande árvore!'

    Salve Juan! bela iniciativa!
    Abrazo hermano!

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  16. é, o cara falou algumas coisas bonitas
    bom bom

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- Chegue diante do quadro sem intenção preconcebida de sarcasmo.

- Olhe para a pintura do mesmo modo como olharia para uma pedra talhada. Aprecie as facetas, a originalidade da formam, a luta com a luz, a disposição da linha e das cores [...]

- Escolher um detalhe que seja a chave do conjunto, fixá-lo por um bom tempo, e o modelo surgirá.

- Nessa última comparação, deixar-se levar até as regiões da mais requintada Alusão.

Max Jacob


Que os vasos se comuniquem!

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