Desisto de lutar contra o calor nesta madrugada e me levanto da cama em busca de algo para fazer. Escolho um disco entre tantos para me fazer companhia enquanto começo a rabiscar estas poucas palavras.
Minha presença sempre esteve ausente em vários lugares, porém, mesmo na ausência me fazia presente, nunca fui de querer chamar atenção, me fazer do mais isso ou aquilo, sempre dei mais importância ao olhar, aos gestos, aos detalhes. Olhar o mundo com outros olhos é a chave de nossas portas já dizia Blake! E por que não também de nossas janelas!...
Não só ouvir o outro, mas entrar no mundo dele e fazer de tudo para realmente compreender o que ele quer dizer, sempre fui assim, mergulhando e tentando entender e compreender o que realmente querem nos falar... Isso desgasta, tira suas forças, principalmente quando você percebe que este esforço não é recíproco. Nunca vi diferença de um professor universitário para um morador de rua, sempre procurei perceber as particularidades e a subjetividade de ambos em seus respectivos contextos. A realidade infelizmente não é assim. Cada vez mais as pessoas se trancam mais, criam centenas de mascaras para inventar uma identidade que a muito não tem. Não conseguem conversar olhando nos olhos, sempre estão apelando para algo no sentido de se sentirem maiores, seja livros, roupas, “estilos”, a real essência a muito não vejo.
Apesar dos meus vinte e poucos anos minha ausência já esteve presente em muitos lugares e hoje me vejo cansado mentalmente e fisicamente... As paredes do tempo estão descascando, mas parece não passar para mim... Talvez eu tenha caído em uma armadilha que eu mesmo criei uma ilusão, talvez eu esteja vivendo um luto de algo que nunca tive e que nunca aconteceu... A cada dia que passa mais cascas caem no chão e eu não consigo sair, talvez seja por que eu nunca quis sair realmente. Nos últimos quatro anos as cascas caíram e caíram e caíram e meus pensamentos não mudaram, a dúvida rasteja e rasteja em volta de mim... A boêmia no sentido de Utrillo, Poe, Henry Miller, me fez acreditar que eu era pouco, que meu cotidiano era um tanto quanto tumultuado para conseguir atingir certo olhar.
Mas sem percebemos a Roda Viva segue seu curso nos jogando para lá e para cá, fazendo de nossas certezas e de nossos sonhos algo minúsculo perto de tantos acontecimentos que chegam sem ser anunciados! Um belo dia você acorda e tudo mudou suas roupas, seu cabelo, seus gostos, seus amigos, suas companhias, os lugares que você freqüenta... Só o olhar resiste ao tempo, mesmo cansado ele é quem mostra quem você realmente é, ele diz tudo, como o fígado de Prometeu que se levanta toda manha em busca de algo, uma eterna busca, mesmo sabendo que vai ser devorado por uma enorme ave... Preciso descansar um pouco, quem sabe o sitio do meu avô...
- Texto: Juan Moravagine Carneiro (OBS: O mesmo já havia sido públicado neste mesmo espaço com algumas alterações)
- Imagens: Grafites de um dos artistas contemporâneos que mais admiro (Bansky)
Só o olhar resiste ao tempo.
ResponderExcluirQue a gente nunca tenha as retinas tão fatigadas ao ponto de deixar de olhar...
Rafa!
ResponderExcluirVou me demorar por aqui hoje, primeiro porque vou ter que ler umas três vezes. =P
A luta contra o calor da noite às vezes também me ocupa com música. Pra mim é melhor quando acontece assim do que quando me inunda a cabeça com pensamentos. Às vezes eu prefiro mesmo não pensar.
Acredito que Blake estivesse de alguma maneira certo, mas ele não considerou a traição das imagens, de Magritte, considerou?
Compreender as pessoas dá mesmo trabalho, esmaga-nos dedicar horas, dias, anos, vidas à compreensão do outro e descobrir no final que ele mentia, que fomos enganados, que nossos olhos e coração estavam errados.
Você não é pouco, Rafa. Você é certamente muito mais do que enxerga o seu olho. Você é muito mais, e isso, pássaro nenhum vai comer.
Beijo-te com doçura, sempre.
meu tolo preferido, viver tem que ser com sangue - não há literatura q ensine isso.
ResponderExcluirbjs
Na noite sem sono o calor sempre fica mais rigoroso.
ResponderExcluirCadinho RoCo
Excelente texto, próprio de quem tem olhos de ver a vida de fora como morada de dentro.
ResponderExcluirBeijo.
é foda.
ResponderExcluirse conhecer é um negoço muito dificil. principalmente quando você tem consciência que existem varias forças atuando sobre você: familia, religião, amigos, politica, ciência, arte, comercio, cultura(sociedade, nação) blablabla
fica dificil você destrinchar o que é e o que não é você.
a gente nasce e já somos significados.
é foda.
é foda, meu caro.
é foda...
Amo madrugadas.
ResponderExcluirBoas pra refletir. :)
Um beijo.
Juan, já vi que temos muito em comum! que legal! algumas antiguidades, nos faz um bem enorme. abs,
ResponderExcluirsônia (a Letreira)
Afinal, quando adentramos outras almas, quando esmiuçamos cada compartimento do outro, quem sai preenchedido, acrescido e crescido somos nós mesmos, porque olhar o outro é olhar a nós mesmos. Somos todos um, afinal, estilhaçados, mas UM. Observar, perscutar, contemplar é sair em busca dos nossos pedaços.
ResponderExcluirAbraço e afeto,
Que forma bonita de olhar o outro, o mundo. Acontece comigo, e cansa ser esponja, mas acho que todo mundo que gosta de escrever, passa por isso. E é bonito, como seu texto.
ResponderExcluirAdoro Banksy, é um dos meus artistas contemporâneos preferidos tbm.
Teu comentário é amplificador!, assim como teu trabalho.
ResponderExcluirUm bom abraço.
baiao
Juan
ResponderExcluirSinceramente..., vc é bom no que pensa e escreve, gostei e me identifiquei...
Abraço
Gi
Gosto do grafite, é bem bonito.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirJuan, aprecio muito escritos como este que acabo de ler, pois há seu ser escrito. Uma entrega de si para si, em leitura. Estava em reunião por esses dias, em atendimento, devido uma autista. Que mundo é esse? Muitos me perguntam e justamente falei que não há mistério, apenas é preciso entrar dentro deste ser, lê-la. E quando o ser humano, deixar de lado suas regras, o tal umbilical, pardigmas tolos, o ser humano aprenderá a viver em liberdade e reciprocidade; entendo que fazer o semelhante feliz em respeito, de seu tempo e ritmo, o universo será bem mais gostoso de se estar. Todos os dias caio na tecla de que um olhar em leitura de outro solo, traz à tona lugares desconhecidos e tornamo-nos psicólogos e escritores de nossa própria história e na compreensão daqueles que nos cercam. Colocaste um termo que costumo usar com frequência... 'apesar de meus vinte e poucos' anos'; hum... agora sei que está nesta casa, e de queixo caído, pois seu perfil literário é de porte maduro. Permite-me postar este teu escrito em um de meus jardins? Estará devidamente inserido seu nome, [créditos] ok!? Pois, encaixa com precisão em muito do que sou, minhas entranhas.
ResponderExcluirAbraços,
Priscila Cáliga
Claro Priscila!
ResponderExcluirAbraço
Entendi e me identifiquei com certas sensações. Não perca a persistência do olhar, continue assim, buscando o olhar do outro.
ResponderExcluirJuan. Obrigada. Já postei no jardim. Confesso que teu escrito conversa com um que postei e despostei hoje, pois mesmo o colocando no blog me anunciava estar incompleto. O que posso partilhar, [uma parte], pois preciso partar o resto, mas em resposta ao teu é...
ResponderExcluir... viu de repente, uma pequena água correndo perto, mas líquido estava cansado e morno, só que em forma de ser, com vontade de chorar de manso. O olhar na construção velha, meio encoberta, tateava e buscava os sapatos atrás da árvore. A noite cai e soando a sina, fazendo pensar no mais: descoberta. [...] e os galhos balançavam em calmo murmúrio, e as nuvens escureciam, tanto que, temendo o aperto dos olhos começa a oceanear o 'tu nombre em mayusculas'. Uma vivente divagando por olhos à procura. Da volta penosa, sem impulso e sem êxtase. Do dentro que fala e escuta: - Não na impressão de rastejo na poeira, com os pés doídos e desesperados.
Abraços e bela semana!
Priscila Cáliga
No fim, é ilusão acharmo-nos donos de nós mesmos. Somos apenas levados pelas correntes de falsas certezas... Somos produto do meio! Perfeito o texto! Abraços!
ResponderExcluirJuan, está neste aqui... o teu belíssimo escrito.
ResponderExcluirhttp://pcotaveira.blogspot.com/
Abraços!
Priscila Cáliga
Jamais capitular, Juan... Jamais. Mesmo que sintamos a nossa presença na tela branca da ausência.
ResponderExcluirUm abraço!
essas suas palavras sempre me calam.
ResponderExcluirgostei do termo 'colages'.
beijo Juan.
ah, dia desses quem vai entrar no Reino é você :)
Depois desse eu paro pra voltar outro dia inteira. Hoje ando me arrastando meio pela metade e teus textos absorvem de uma maneira que é preciso dar mais de mim.
ResponderExcluirVirei fã.
Beijoca